Política Política
Cid diz que Bolsonaro pediu levantamento de presentes que poderiam ter valor: 'Vamos tentar vender isso aí?'
Depoimento consta na delação do tenente-coronel no âmbito do inquérito da tentativa de golpe de Estado
20/02/2025 22h02 Atualizada há 2 dias
Por: Redação
Mauro Cid delação — Foto: Reprodução

O tenente-coronel Mauro Cid, delator no inquérito que investigou uma tentativa de golpe de Estado, afirmou em depoimento à Polícia Federal em agosto de 2023 que o ex-presidente Jair Bolsonaro pediu expressamente para que ele vendesse joias recebidas como presente da Arábia Saudita na condição de chefe de Estado. O depoimento consta como um dos conteúdos da delação de Cid, que foi tornada pública nesta quarta-feira.


Segundo o militar, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o ex-presidente "vinha reclamando sistematicamente de gastos que ele poderia ter quando deixasse o governo". Dentre as preocupações de Bolsonaro, conforme Cid, estavam as multas por ausência de máscara durante a pandemia de Covid-19 e multas por não usar capacete em motociatas que participou.

— Ele pediu para verificar quais seriam os presentes que poderiam ter algum valor. A maneira mais fácil de quantificar seria pelos relógios, por causa da marca e tudo. então eu fiz um levantamento. e(...) A gente viu qual relógio poderia ser quantificado, qual podia ter realmente algum um valor. Nessa relação, o Rolex estava entre eles. Apresentei essa lista [ao presidente] e ele falou: 'pô, bicho, vamos tentar vender isso aí? — disse Cid.

No ano passado, o ex-chefe do Executivo foi indiciado por desvio de joias do acervo presidencial. A PGR ainda avalia se apresenta a acusação, se pede novas diligências à PF ou se solicita o arquivamento.

Os advogados de Bolsonaro afirmaram que ele agiu dentro da lei" e "declarou oficialmente os bens de caráter personalíssimo recebidos em viagens”. Esses itens, na visão dos defensores, deveriam compor seu acervo privado, sendo levados por ele ao fim de seu mandato.

Em outro momento de depoimento, Cid afirmou que Bolsonaro solicitou que ele calculasse o valor dos presentes. "Bicho, o que eu tenho de caro lá? O que eu tenho de valioso?", teria dito o ex-presidente, segundo o tenente-coronel. O militar afirmou que chegou a ponderar com Bolsonaro que a venda não era ilegal, mas podia ser imoral e ter repercussão midiática. Mesmo assim, segundo Cid, Bolsonaro lhe pediu: 'Não, bicho, vê lá quanto dá isso aí".

— Eu falei o problema é a exposição midiática, não é ilegal, mas vai acabar sendo imoral. E se vaza vai dar problema: "Não, bicho, vê lá quanto dá isso aí" — disse o tenente-coronel, reproduzindo o que diz ter ouvido de Bolsonaro como resposta.


Em outro momento, o delator contou à PF que foi o próprio ex-presidente que lhe "passou" um relógio Philippe Patek para que fosse comercializado. — Pô, relógio caro, quanto é que tá? — teria lhe perguntado Bolsonaro.

Ao ser perguntado pela PF sobre como o objeto chegou às mãos dele, Cid respondeu:

— Foi o presidente. Ele me passou nas vésperas do embarque para os Estados Unidos já em julho de 2022. [Foi] no Alvorada.

A PF indiciou Bolsonaro, Cid e outras dez pessoas em julho do ano passado no inquérito que apurou o desvio de joias do acervo presidencial. Os crimes atribuídos aos dois primeiros são de peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro. Até o momento, no entanto, Procuradoria-Geral da República (PGR) não apresentou denúncia ou pedido de arquivamento do caso.

O inquérito apontou que os indiciados participaram de um esquema de apropriação irregular de pelo menos quatro kits de joias recebidos por Bolsonaro na condição de chefe de Estado. Os conjuntos, que incluem relógios, abotoaduras, rosários, esculturas e aneis, foram dados por autoridades da Arábia Saudita e do Bahrein em viagens oficiais ocorridas entre 2019 e 2021.

 

Por O Globo