Em discussão no Senado, a Proposta de Emenda à Constituição do Banco Central (BC) divide opiniões de especialistas, incluindo de ex-chefes da instituição e acirra o confronto entre o presidente Lula e o atual comando do BC. O principal ponto é a possibilidade de a autonomia orçamentária e financeira da instituição como colocada pela PEC pode interferir nas atividades de Estado do banco, entre elas:
controle sobre a inflação do país;
execução da política monetária brasileira;
determinação da taxa básica de juros no Brasil;
garantir a segurança e eficiente do sistema financeiro;
emissão da moeda nacional, o real; e
fiscalização dos bancos que atuam no país.
Atualmente, o BC já conta com autonomia operacional. Ou seja, o governo federal, seja ele qual for, não pode interferir nas escolhas feitas pela cúpula do Banco Central, como a taxa de juros. Essa autonomia pode levar a atritos políticos, como tem sido a relação do atual presidente da instituição, Roberto Campos Neto, e o presidente Lula (PT).
O que a PEC propõe é como dar autonomia financeira e administrativa para a atuação do BC. Como empresa pública, o Banco Central poderia utilizar sua própria receita como fonte de recursos – atualmente, como autarquia, as receitas do BC são enviadas para o Tesouro Nacional. A mudança seria para “prever a garantia de recursos para que as atividades relevantes da Autoridade Monetária para a sociedade sejam executadas sem constrangimentos financeiros, tanto para o Banco Central quanto para o Tesouro Nacional”, segundo o relatório. Na prática, o texto concede independência ao BC para gerir seus próprios recursos, contratar pessoal e definir planos de carreiras e salários.
Proposta pelo senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO) e relatada por Plínio Valério (PSDB-AM), a PEC 65 de 2023 tramita no Senado há sete meses. Inicialmente, o texto seria votado na Comissão de Constituição e Justiça na semana passada, mas senadores indicaram a necessidade de ao menos uma audiência pública ser realizada.
Na audiência, ficou claro que não há um consenso entre especialistas em BC, incluindo atuais e ex-funcionários, sobre a proposta. Para alguns, a PEC é a única forma de manter o Banco Central funcionando, já para outros, o texto pode colocar em perigo a missão e o papel estatal da instituição.
A forma de dar ao BC a autonomia financeira, pela PEC, é transformar a autarquia em uma empresa pública. O Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal) afirma ao Congresso em Foco que esse é o principal problema do texto e o motivo de a categoria ter se colocado contra a medida em votação oficial do sindicato.
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“É transformar em empresa pública, algo como a Caixa, uma instituição que faz atividades de Estado. Para nós, isso é inconstitucional”, disse Fabio Faiad, presidente do Sinal. “Esse regime jurídico também fragiliza controles e procedimentos do BC. E essa não é a única forma para a autonomia orçamentária de outras formas. Não somos contra a autonomia, somos contra a PEC como está, somos contra transformar uma autarquia em uma empresa”.
Para o Sinal, uma empresa pública estará aberta a influências do mercado, o que pode afetar as atividades que são puramente de Estado. O sindicato coloca que sem maior controle como autarquia, como a ação da Controladoria Geral da União (CGU), o BC ficaria vulnerável a interesses de terceiros.
Em nota divulgada semana passada com críticas ao presidente do BC e à atual política de juros da instituição, o PT criticou a PEC. “Também nos manifestamos contrariamente à proposta de emenda constitucional que pretende conferir autonomia ainda maior — financeira e administrativa — ao Banco Central. A nocividade da autonomia já em vigor da autoridade monetária ficou patente pela conduta irresponsável do presidente e dos diretores nomeados pelo governo passado, que se valeram de seus mandatos para sabotar a economia do país, com vistas aos objetivos políticos do bolsonarismo”, diz o texto.
Já a Associação Nacional dos Analistas do Banco Central do Brasil (ANBCB) vê a medida como necessária. Natacha Gadelha Rocha, presidente da associação, afirmou ao Congresso em Foco que no modelo atual, o BC “não dura” muito tempo e defende que a instituição precisa de mais verbas para manter suas funções.
“Está claro que o Banco Central tem uma questão orçamentária que precisa ser resolvida”, diz Rocha. “Resolver isso passa pela autonomia orçamentária e financeira, ou seja, gerenciar as próprias receitas. Eu gostaria de dizer que há outra solução [que não virar empresa pública], mas eu não achei”.
A PEC transforma o BC em uma empresa pública “que exerce atividade estatal e dotada de poder de polícia”, de acordo com a versão mais recente do parecer de Plínio Valério. Para o senador, é preciso deixar claro no texto que a instituição presta serviços de Estado ao país.
A mudança no texto foi feita na quarta-feira (19), um dia depois da audiência pública. Depois da única discussão pública sobre o tema, os senadores já podem votar a PEC. Apesar disso, o relator, senador Plínio Valério, indica que agora deve haver negociações políticas para definir quando o tema realmente será votado, já que a PEC não conta com apoio do governo no Senado.
Por Congresso em Foco