O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) acumula uma série de deslizes na crise da alta do preço dos alimentos e, mais de 20 dias após o presidente da República ter cobrado de seus ministros uma solução, ainda não há propostas divulgadas.
A alta de preços ao consumidor, sobretudo os dos alimentos, é considerada por integrantes do governo um dos principais motivos para a queda de popularidade do presidente, e Lula já demonstrou que esse tema é uma de suas principais preocupações neste ano.
Mas o assunto se tornou alvo de polêmica e desgaste do governo, com falas de ministros e do próprio presidente da República consideradas desastrosas, virando munição para integrantes da oposição atacarem o Palácio do Planalto.
No começo deste mês, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) afirmou que vê a queda da taxa de câmbio trazendo alívio para a inflação de alimentos e disse confiar numa safra recorde neste ano.
Há uma avaliação entre integrantes do governo de que essas variáveis combinadas podem ser a solução desse problema. Além disso, ministros também têm atribuído a alta nos preços à seca e às chuvas que afetaram as safras no ano passado, mas que espera que isso seja diferente em 2025.
Na primeira reunião ministerial do ano, no dia 20 de janeiro, Lula se queixou da alta do preço dos alimentos e afirmou que, a partir daquele momento, o lema de seu governo seria “união, reconstrução e comida barata na mesa do trabalhador”.
No encontro, ele cobrou que os ministros Carlos Fávaro (Agricultura) e Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário) apresentassem medidas relacionadas aos alimentos.
Dois dias após a reunião ministerial, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, falou em “buscar um conjunto de intervenções” para tentar conter esses preços numa entrevista pela manhã
No mesmo dia à tarde, o próprio ministro buscou esclarecer que o governo descarta políticas intervencionistas, após a declaração ter gerado ruídos no mercado e críticas ao governo nas redes sociais.
Costa foi criticado pela declaração até mesmo por integrantes do governo. Paulo Teixeira descartou qualquer tipo de intervenção nos preços e falou em “equívoco de comunicação”, sem citar nominalmente o colega de governo.
O chefe da Casa Civil também negou a possibilidade de mexer na regra de prazo de validade dos alimentos, medida que foi proposta ao governo pela Abras (Associação Brasileira de Supermercados) e que alguns ministérios confirmavam nos bastidores que estava em análise.
Na mesma semana, Costa afirmou que o governo poderia reduzir alíquotas de importação para ajudar a baratear os produtos -algo que não avançou.
Na ocasião, disse que dificilmente haveria alternativa quando o valor já estivesse alto no mercado internacional e citou o exemplo da laranja (cujos preços dentro e fora do Brasil estão elevados), numa frase que foi criticada por integrantes da oposição ao governo.
“O preço internacional está tão caro como aqui. O que se pode fazer? Mudar a fruta que a gente vai consumir. Em vez da laranja, [comer] outra fruta”, disse.
Uma declaração de Lula no mesmo sentido também gerou munição para ataques da oposição. Em entrevista à uma rádio na Bahia, o presidente disse que para controlar essa alta dos preços, os brasileiros deveriam evitar comprar produtos caros. Segundo ele afirmou, “uma das coisas mais importantes para que a gente possa controlar o preço é o próprio povo”.
O último desencontro entre membros do primeiro escalão do governo aconteceu quando o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias (PT), disse em entrevista à Deutsche Welle que o valor do Bolsa Família poderia ser reajustado para enfrentar o impacto do aumento no preço dos alimentos.
Depois de publicada a entrevista, a Casa Civil divulgou nota para negar a possibilidade. “A Casa Civil da Presidência da República informa que não existe estudo no governo sobre aumento do valor do benefício do Bolsa Família. Esse tema não está na pauta do governo e não será discutido”, disse o texto.
Em entrevista na manhã desta quarta (12), o presidente da República voltou a tratar do tema e disse que é algo que o preocupa, assim como a seus ministros, e que está se reunindo com setores empresariais para tratar desse assunto. “Estamos tentando ver como vamos fazer para baratear o alimento e continuar aumentando o salário.” Apesar disso, no entanto, não apresentou nenhuma medida concreta sobre o tema.
Também nesta quarta, o ministro Alexandre Padilha (Secretaria de Relações Institucionais) entregou a líderes da Câmara uma agenda com uma série de propostas consideradas prioritárias para o governo federal no Congresso. Entre elas um projeto que institui o programa nacional de fortalecimento da agricultura familiar e o plano safra da agricultura familiar e um que trata de critérios para a execução da política de estoques públicos vinculados ao programa de garantia dos preços mínimos.
Políticos oposicionistas têm resgatado falas de campanha de Lula e promessas de combate à fome para desgastar a imagem do governo federal diante da crise da elevação do preço dos alimentos. Na abertura do ano legislativo, por exemplo, bolsonaristas usaram na Câmara um boné com a inscrição “Comida barata novamente. Bolsonaro 2026”.
Há uma avaliação entre parlamentares da oposição que esse tema será ainda bastante explorado no dia a dia do Congresso na tentativa de gerar ruídos à imagem do governo federal, desde apresentação de projetos de lei para tratar do tema até convocações de autoridades para prestar esclarecimentos.
Indicadores econômicos mostram que o problema deve continuar na ordem do dia. A categoria de alimentação e bebidas teve uma alta de preços de 0,96% em janeiro, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), enquanto a inflação média foi de 0,16%. Foi a segunda maior alta no mês, só perdendo para transporte
Só as carnes subiram 0,36% em janeiro e em 12 meses acumulam alta de 21,17%, bem acima da inflação geral no mesmo período (4,56%). O preço do café explodiu no ano passado, e o café moído acumula alta de 50,35% em 12 meses até janeiro.
Por outro lado, em um aceno ao Executivo, o líder do União Brasil na Câmara, Pedro Lucas (MA), apresentou uma proposta que cria uma política nacional de combate ao desperdício e de incentivo à doação de alimentos.
“Precisamos urgentemente tratar de baratear o preço dos alimentos nas mesas dos brasileiros. Isso não pode ser pensado no médio prazo, é algo imediato. Precisamos trabalhar juntos, Executivo e Legislativo”, diz o deputado à reportagem.
Pedro Lucas afirma que já entrou em contato com Dias para discutir o projeto e que levará ao colégio de líderes e ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), a necessidade de apreciar o projeto.
O Ministério da Fazenda e a Secom da Presidência foram procurados, mas não responderam.
Por Folhapress