Em Roma, faça como os romanos, diz o provérbio. Mas o Papa Francisco tinha outros planos para o Vaticano. Nos últimos 12 anos, o Sumo Pontífice argentino nomeou 80% dos 135 cardeais aptos a votarem no conclave que agora elegerá o novo chefe da Igreja Católica. Esse movimento, embora não garanta, aumenta a possibilidade de que a próxima liderança papal irá compartilhar da visão de uma Igreja mais progressista e inclusiva.
Comprometido com uma Igreja descentralizada e de base, Jorge Bergoglio procurou promover o clero dos países em desenvolvimento para os postos mais altos da instituição. Desde sua eleição em 2013, o Pontífice realizou dez consistórios ordinários, nos quais destacou dioceses remotas no que chamava de "periferias", mesmo em lugares onde os católicos são minoria, rompendo com o costume de destacar sistematicamente arcebispos de grandes dioceses, como Milão ou Paris.
Em dezembro, foram elevados 21 prelados dos cinco continentes à categoria de cardeais, incluindo o arcebispo de Porto Alegre e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Jaime Spengler. Também da América Latina, foram nomeados o peruano Carlos Gustavo Castillo Mattasoglio, arcebispo de Lima desde 2019; o franciscano equatoriano Luis Gerardo Cabrera Herrera, arcebispo de Guayaquil; o chileno Fernando Natalio Chomalí Garib, arcebispo de Santiago; e o argentino Vicente Bokalic Iglic, arcebispo de Santiago del Estero, cidade no interior do país, que fica a mais de mil quilômetros da capital Buenos Aires.
Ainda foram nomeados por Francisco pela primeira vez um cardeal do Irã, o arcebispo Dominique Mathieu de Teerã-Ispahan, um missionário belga; e um cardeal da Sérvia, o arcebispo Ladislav Nemet, de Belgrado.
Foi a última cartada de Francisco para consolidar seu legado reformista, moldando à sua imagem o colégio de cardeais que terá de nomear seu sucessor.
— Ao fixar seu olhar em vocês, que vêm de diferentes origens e culturas e representam a catolicidade da Igreja, o Senhor os chama para serem testemunhas da fraternidade, artesãos da comunhão e construtores da unidade — pregou o Papa em sua homilia no consistório de dezembro.
O novo Colégio de Cardeais “apresenta uma rica diversidade geográfica e sociológica”, o que é um sinal “positivo”, mas “com a condição de que a colegialidade seja fortalecida”, disse Dom Jean Paul Vesco, 62 anos, arcebispo de Argel e um dos promovidos, em uma entrevista à AFP na ocasião.
O Papa argentino, que frequentemente criticava o “mundanismo espiritual” e procurava livrar os escalões superiores da Igreja do culto às aparências, também advertiu os cardeais sobre o perigo de se deixarem “deslumbrar pela atração do prestígio e pela sedução do poder”.
Os cardeais são escolhidos exclusivamente pelo chefe da Igreja Católica, que os seleciona de acordo com seus próprios critérios e prioridades. Eles são encarregados de auxiliar o Papa no governo central da Igreja. Alguns residem em Roma e servem na Cúria (o “governo” do Vaticano), mas a maioria ministra em suas dioceses de origem.
A nomeação de cardeais é observada de perto por estudiosos religiosos, que a veem como uma indicação da possível formação do futuro líder espiritual da Igreja Católica e de seus cerca de 1,4 bilhão de fiéis. Entretanto, a escolha de um Papa é sempre imprevisível, e alguns cardeais nomeados por Francisco não necessariamente compartilham suas ideias, ou até mesmo se opõem abertamente a elas. Outros acreditam que a grande diversidade dos cardeais, que pouco se conhecem e raramente se veem, poderia levar o próximo conclave a buscar um compromisso com uma figura forte e equilibrada que inspire confiança coletiva.
Embora a Europa ainda tenha a maior parcela de cardeais eleitores, com quase 40%, esse número caiu em relação aos 52% de 2013, quando Francisco se tornou o primeiro Papa latino-americano. A Ásia foi o continente que mais cresceu nesse período. Segundo a lei da Igreja, são elegíveis para participar do conclave secreto que escolherá o próximo Papa os cardeais que têm menos de 80 anos.
Por O Globo