Rogério Caboclo, momentaneamente, não é mais presidente da CBF. O dirigente foi afastado por 30 dias, neste domingo, por uma decisão do Conselho de Ética, após o ge revelar que uma funcionária da entidade o acusou de assédio sexual e moral.
O vice Antônio Carlos Nunes assume durante o período de afastamento. A CBF já foi notificada da decisão do Conselho.
Pressionado por patrocinadores e outros dirigentes da confederação, Caboclo agora cuidará de sua defesa.
Vigésimo presidente da CBF, Rogério Langanke Caboclo foi eleito em 2018, mas só assumiu em abril de 2019, aos 46 anos. Filho de Carlos Caboclo, ex-dirigente do São Paulo, ele foi diretor do clube do Morumbi e iniciou sua trajetória na política apadrinhado por Marco Polo Del Nero, na Federação Paulista de Futebol. Advogado e administrador, ele foi diretor executivo na entidade paulista.
Antes das denúncias o atingirem em cheio subiu a escada na CBF depois de ser diretor financeiro de Del Nero, eleito após José Maria Marin. Foi também diretor de relações institucionais do Comitê Olímpico Local da Rio 2016.
O poder começou a ruir de suas mãos quando chegou ao canal da Comissão de Ética da CBF na tarde de sexta-feira e na Diretoria de Governança e Conformidade a denúncia da funcionária. A reportagem do ge mostrava os abusos que teriam ocorrido contra a cerimonialista, autora da denúncia, que detalhou episódios vividos por ela desde abril do ano passado.
No documento, ela afirma ter provas de todos os fatos narrados e pede que o dirigente seja investigado e punido com o afastamento da entidade e, também, pela Justiça Estadual. Conta sofrer constrangimentos em viagens e reuniões com o presidente e na presença de diretores da CBF.
Na denúncia, a funcionária detalha o dia em que o dirigente, após sucessivos comportamentos abusivos, perguntou se ela se "masturbava". Entre outros episódios de extrema gravidade, segundo a funcionária, Caboclo tentou forçá-la a comer um biscoito de cachorro, chamando-a de "cadela".
Segundo relato da funcionária, que tem oito anos de CBF, Caboclo fazia consumo de álcool durante o expediente. Ela era obrigada a esconder garrafas no banheiro para que o dirigente pudesse beber sem ser notado. Também cabia a ela recolher as garrafas vazias. Em viagens, era orientada a pedir bebidas alcoólicas para ele nos hotéis – mas marcar o consumo no quarto dela.
Ela detalha um caso ocorrido no dia 9 de março de 2021, na casa do dirigente em São Paulo, onde auxiliava Caboclo em reuniões presenciais e virtuais. Após um dia inteiro de consumo de bebida alcoólica, o dirigente teria chamado a funcionária de "cadelinha", e em seguida ofereceu biscoitos de cachorro para ela. Como a funcionária o repreendeu, ele então passou a simular latidos.
A funcionária também afirma que Caboclo tentou controlar seus relacionamentos dentro da CBF e pediu que ela mudasse a maneira de se vestir – teria até oferecido dinheiro a ela para comprar novas roupas. Após seguidos episódios, ela pediu licença por motivos de saúde. O presidente da CBF, então, ofereceu um acordo a ela – em troca de dinheiro, ela teria que negar a existência dos abusos e teria que mentir quando fosse perguntada sobre o assunto. Ela recusou e fez a denúncia.
Já faz quase dois meses que a CBF estava em ebulição. Neste período, segundo diversas fontes – presidentes de clubes e de federações estaduais, dirigentes da própria CBF e agentes externos com acesso à cúpula da entidade – o comportamento de Rogério Caboclo ficou ainda mais errático e agressivo.
Nas últimas semanas, enquanto Caboclo lidava com seus próprios problemas, outra crise explodia no futebol sul-americano. A Copa América, prevista para ser disputada na Colômbia e na Argentina, ficou sem sede. A Colômbia não pôde garantir a segurança do torneio por problemas políticos e sociais, e a Argentina desistiu ante o agravamento da pandemia da Covid-19.
No dia 7 de junho, segunda-feira, durante reunião de emergência do Conselho da Conmebol convocada para resolver o que fazer com a Copa América, as duas crises se encontraram. Com o apoio do presidente Jair Bolsonaro, Rogério Caboclo ofereceu o Brasil para abrigar o torneio. Todas associações nacionais de futebol do continente toparam. A Conmebol então anunciou em suas redes sociais: a Copa América será no Brasil. Decisão que refletiu na Granja Comary.
Ainda na Granja Comary, o presidente da CBF, Rogério Caboclo, fez duas visita à delegação da Seleção. Algo de praxe no seus dois anos à frente da entidade. Desta vez, porém, o clima estava mais próximo daquela da região serrana: frieza no trato e muitas aparências para as câmeras da CBF. No segundo encontro, este solicitado pelos jogadores, não houve registro da comunicação da entidade máxima do futebol nacional.
No domingo passado, Caboclo abraçou Tite, posou risonho para fotos com atletas e seguiu protocolo de amenidades. De noite, a bomba da saída da Copa América da Argentina precedeu o anúncio da segunda pela manhã de que o Brasil receberia a competição mais uma vez.
A surpresa foi geral e criou mal-estar. O apoio - e o respaldo do presidente da República, Jair Bolsonaro -, as cobranças em redes sociais para os jogadores se posicionarem frente às críticas do seu país receber competição rejeitada pela Argentina, no meio de crise de Covid-19, levantou debate na Seleção sobre manifestação dos atletas. Em outras palavras, não queriam se sentir massa de manobra de ninguém.
Frágil, Caboclo causou constrangimento no vestiário da seleção brasileira, quando fez discurso inflamado. O ambiente que já não era leve se tornava insustentável. Sugeriu que ninguém falasse publicamente, o que não aconteceu. Em forma de enigma, Casemiro disse que "todos sabiam da posição" dos jogadores e da comissão técnica, mas só falariam depois da partida do Paraguai.
Por Gabriela Moreira, Martín Fernandez e Raphael Zarko — Rio de Janeiro
O Globo