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'Não confia mais em ninguém e está isolado': a rotina de Mauro Cid após a denúncia do golpe

Delator de trama envolvendo governo Bolsonaro se mantém recluso após PGR apresentar acusação contra ex-aliados, e pessoas próximas relatam mudanças de comportamento

Por: Redação
02/03/2025 às 15h28
'Não confia mais em ninguém e está isolado': a rotina de Mauro Cid após a denúncia do golpe
Mauro Cid, antigo ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, faz corrida durante a manhã no Quartel da Polícia do Exército, aonde esta preso. — Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo

Peça central na denúncia em que a Procuradoria-Geral da República (PGR) acusa Jair Bolsonaro de liderar uma tentativa de golpe, o tenente-coronel Mauro Cid passou os últimos dias ainda mais recluso no Setor Militar Urbano, em Brasília, a nove quilômetros do Palácio do Planalto, onde trabalhou por quatro anos. Com as janelas permanentemente fechadas para evitar imagens, o oficial sai raramente de casa, segundo vizinhos, que o viram recentemente deixar a residência para uma caminhada de menos de cinco minutos até um restaurante que vende marmitas.

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— Minha vida acabou — resumiu Cid à Justiça em 22 de março de 2024.

O restaurante Costelita é frequentado majoritariamente por oficiais de alta patente, que observam um Cid “abatido e arredio”. Sem trocar palavras com ninguém, ele retira as embalagens e volta para casa, do outro lado do quarteirão. Em uma tarde de dezembro de 2024, um general estava perto quando o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro comprou duas quentinhas por R$ 45. Tentou cumprimentá-lo em vão: o general confidenciou que Cid estava “tão focado em entrar e sair rapidamente” que nem percebeu a saudação.

Delação sem sigilo
A delação premiada do tenente-coronel teve o sigilo derrubado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) há dez dias, após o procurador-geral da República, Paulo Gonet, apresentar a peça que pede uma ação penal contra Bolsonaro, Cid e outras 32 pessoas por tentativa de golpe. Um dos itens do acordo de colaboração prevê o uso de tornozeleira eletrônica, e por isso Cid usa calça comprida nas raras vezes em que sai de casa. Procurada, a defesa não quis se manifestar.

Mauro Cid delação — Foto: ReproduçãoMauro Cid delação — Foto: Reprodução

'Não confia mais em ninguém e está isolado': a rotina de Mauro Cid após a denúncia do golpe

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Pessoas que o conhecem desde jovem dizem que o ex-ajudante de ordens “não confia mais em ninguém e está isolado”. Na segunda-feira, dois militares faziam a segurança da rua de acesso à casa do tenente-coronel. Apenas veículos de moradores e pedestres têm permissão para circular, e 500 metros da via estão bloqueados com cones.

Um vizinho que costumava frequentar a casa de Cid disse que ele se tornou pouco a pouco “paranoico”. Passou a desconfiar até de parentes e amigos mais próximos. Acha que pessoas do seu círculo repassavam informações à polícia e à imprensa. Passou a fazer trajetos diferentes ao sair de casa, por acreditar que seu carro é seguido. De acordo com uma pessoa próxima, sente que é “monitorado 24 horas por dia”.

A retirada do sigilo da delação trouxe “alívio”, nas palavras de outro interlocutor. O militar e seus advogados acreditam que as trocas de mensagens que vieram a público reforçam a tese de que ele era “apenas cumpridor de ordens e intermediador de recados”. Além disso, Cid não precisa mais conviver com as especulações sobre o conteúdo dos depoimentos. Mas caso se torne réu, não terá chances de promoção a coronel.

Cid passou por duas prisões, entre maio e setembro de 2023 e a de março a maio de 2024, e viu a vida virar do avesso com o avanço das investigações da trama golpista. Mensagens extraídas do seu celular ofereceram novos caminhos para a apuração e, detido no Batalhão da Polícia do Exército em Brasília, ele firmou uma delação premiada, homologada em setembro de 2023.

Em 11 de novembro daquele ano, Cid foi visto pela primeira vez após sair da prisão. Questionado sobre sua rotina, respondeu laconicamente ao GLOBO, na época:

— Está tudo tranquilo.

A tranquilidade durou até março de 2024, quando a revista Veja divulgou áudios em que Cid criticava a atuação da Polícia Federal e do ministro Alexandre de Moraes, relator da investigação no STF. Cid foi preso novamente. A defesa alegou que as gravações se tratavam de um “desabafo”. Dois meses depois, ele foi solto.


Por O Globo